Compulsões e Acumulação
“Doutora, depois de tanto tempo eu continuo comendo compulsivamente. Sinto-me uma obesa e não consigo emagrecer”.
Quantos métodos purgativos ela já tentou. Hoje incorpora a incapacidade de controlar sua voracidade a uma sensação tão sutil quanto devastadora, de SET incapaz.
E aliado a esse movimento de descontrole, quantos outros andam conjugados.
Compra demasiadamente sem conseguir objetivar um controle financeiro.
Pensar em um comportamento é revelar uma série por semelhança.
Descontrole, acumulação, sensação de menos valia.
A atitude compulsiva de acumulação é uma síndrome em nossos dias, seja de alimentos e bebidas, ocasionando os distúrbios alimentares entre outros, seja de objetos, ocasionando a compulsão por compras.
Acumulamos, acumulamos, consumimos como forma cultural, criando um EU, ego, pesado.
Por trás desse processo está a intocável baixa auto-estima. Como em um mecanismo que se re-alimenta,
Baixa Auto Estima – Acumulação – Mais baixa auto estima – Mais Acumulação...
Na busca do alento, o encontro de um maior desespero.
Com uma baixa auto-estima nos sentimos frágeis, vulneráveis. É nesse momento que nosso inconsciente busca mecanismos defensivos contra esse terrível medo de aniquilação. A gordura defende o indivíduo contra o meio, tornando-o mais forte. Como os animais que estocam tanta reserva de gordura para os meses carenciais, para o inverno.
Mas esse “estoque” inconsciente não gera a saciedade apenas mais carência.
São tantas camadas de gordura que se acumulam para defender um corpo sentido como carente e vulnerável.
Contra a fantasia de falta de recursos, de objetos necessários para sua sobrevivência, se consome, como a formiga que estoca para os meses difíceis, onde não terá mais os recursos disponíveis.
Mas a “Lenda da Cigarra e da Formiga” aqui acaba diferente. Vivemos em uma economia que nos cega a noção de necessidade, presente e futura. Estimula consumir sempre e mais.
Um sujeito que se sente seguro e auto afirmado não desenvolve o comportamento acumulador.
A base da segurança e auto- estima está na possibilidade de uma pessoa plena que percebe ser amada e capaz de amar. Que se preserva entendendo e respeitando seus limites. Sem medo.
Para atingirmos esse caminho para a realização pessoal, medidas de reconstrução do narcisismo são necessárias. Não mais buscando fora o que falta, mas encontrando dentro os alicerces necessários e fortes. Esses podem ser acumulados.
A confrontação e elaboração de feridas históricas ao narcisismo e a auto-imagem permitem a liberdade de comportamentos antes tidos como amalgamados a individualidade.
Esse é o Princípio da AutoConservação e Preservação.
Reconstruímos e elaboramos mas sempre a partir do tempo presente. O passado se reescreve no aqui e agora, pois é nesse tempo que vivemos e nesse tempo que devemos inscrever nossa relação verdadeira com o meio.
Psicoanalista Ana Suruagy Botto