Psicooncologia
PACIENTE, SEU CÂNCER E O PSICÓLOGO
O avanço da ciência no tratamento do câncer levou os índices de cura a níveis antes insuspeitados. Os prognósticos são bons e, hoje, mais da metade dos pacientes são tratados com sucesso . Muitos outros poderão desenvolver uma vida produtiva, após o diagnóstico inicial. Cada vez mais, a existência de um câncer é compatível com uma vida profissional ativa, com atividades de lazer, esportivas e sociais.
Os níveis de informação, cada dia mais amplos, revelam que câncer é uma palavra genérica que engloba mais de uma centena de doenças, cada uma delas com graus variados de intensidade e prognóstico.
Apesar disto, ele não é visto, no imaginário das pessoas, como uma doença comum. Ao contrário, carrega uma mística sombria e aterrorizante, como ,em outras épocas, a tuberculose e a peste.
Muitas pessoas evitam falar em câncer, como se pronunciar a palavra trouxesse uma maldição. Usam eufemismos, falam "aquela doença".
Um paciente recebeu o diagnóstico de um câncer de pele perfeitamente curável em pouco tempo. Sua personalidade pré-mórbida frágil não foi capaz de suportar o impacto da notícia. Alí estava ele, olhos vidrados de pavor, fitando o nada. Sim, curou-se do câncer, mas a depressão resultante, não tratada, levou-o ao suicídio.
A CRISE
Ao se descobrirem vítimas de câncer,mesmo as pessoas mais fortes e bem informadas são colhidas por graus diversos de angústia, dúvidas e desespero.
Percorrem então, cada uma à sua maneira, fases que podem levar ao enfrentamento e à colaboração ou á desistência.
De início, vem o impacto do susto. O indivíduo sente-se perdido com a quebra de seus planos de vida. Perde as referências, os paradigmas não são mais os mesmos.O futuro é interrogação, incerteza. É um momento de crise, onde a mudança não é vista como crescimento e sim como morte.
Ele está fragilizado, dependente, precisando de apoio. A família nem sempre pode representar essa ajuda, tão chocada ela também está. E é absolutamente necessário que o paciente conte com pessoas nas quais confie. Como ele está regredido, precisa de um colo que o acolha, esclareça as suas duvidas, entenda o seu medo. Que impulsione as suas forças para o trabalho que se inicia. Que substitua e represente a esperança que perdeu.
Este é um momento de extrema delicadeza e que pode determinar a participação do paciente em um programa de tratamento, antes que a angústia venha minar-lhe as forças e muita energia e tempo sejam desperdiçados em lidar com uma segunda doença - a depressão, em todas as suas formas.
Diante do impacto, é freqüente uma reação de negação. O paciente desconhece - nega - a sua doença, com os riscos que isso representa - não posso combater o que não existe. É essencial fazer com que ele ultrapasse esta fase sem perder-se novamente no desespero.
O paciente nega, mas a realidade se impõe. Aí vem a ira, com o seu cortejo.
Porque eu, porque eu? Os outros não estão passando por isso, e não são melhores que eu! Essa ira é importante, pois é carregada de energia e vigor, melhor do que a prostração e o aniquilamento. Esta energia pode ser usada para estimular a reação ou pode voltar-se contra o exterior – por exemplo, alguns aidéticos que contaminam os outros por revolta - e contra si próprio, resultando em depressão ou idéias suicidas, onde o indivíduo pode ficar imobilizado, rígido, cristalizado, bloqueando as forças que são necessárias para o prosseguimento do tratamento e da vida.
SUPERAÇÃO
Havendo a superação dessas etapas, o paciente pode chegar a outra fase, na qual a aceitação da idéia e da realidade do câncer o levará a mobilizar energias criadoras para rever o planejamento de sua existência. Neste plano estará incluído o combate à doença.
A angústia do ser humano com câncer é de vacuidade, insignificância e impotência.. Envolve um sentimento de inutilidade do esforço, de significado e projeto de vida. A saída desse estado envolve o retorno da esperança e da capacidade de luta, seja qual for o fim que o espere.
CAMINHO
Nesta curva do destino, encontram-se o paciente, seu câncer e o Psicólogo.
Comumente, quando este entra no processo, o primeiro acabou de receber o diagnóstico e está sofrendo todo o abalo desta notícia. Ele foi colhido por uma doença que assusta. Câncer significa morte, e o paciente está diante de suas limitações, do desconhecido, de sua transitoriedade, de sua morte.
Está com muito medo.
O psicólogo irá dividir este caminho com o paciente. Será uma estrada árdua, para a qual confluirão muitas veredas : os conflitos familiares , a expectativa dos exames complementares, o efeito colateral das quimioterapias e radioterapias, a ocorrência de metástases, a implicação da doença nos campos profissional, afetivo e financeiro, etc.
Muitas vezes esse caminho estará inundado por sentimentos inconscientes de perda, luto, abandono, raiva, culpa, solidão. A estrada está cheia de passado, além das perdas presentes.
PSICOONCOLOGIA
A necessidade do psicólogo no campo da oncologia tem aumentado com o aumento da sobrevivência dos pacientes por um largo período. Poderá trazer benefícios diversos, como:
- melhorar a aceitação da conduta médica, do diagnóstico e do tratamento
proposto
- melhorar a qualidade de vida do paciente
- reduzir a angústia e a depressão
- reduzir a negação, a falta de esperança, o medo e ansiedade com os
tratamentos
- ajudar a esclarecer as percepções e informações distorcidas
- reduzir as tensões do pré e pós-operatório
- ajudar o paciente a desenvolver novas metas de vida realísticas
- reduzir a tensão familiar
É sabido que altos níveis de angústia retardam a recuperação e aceleram o curso da doença. As energias precisam ser redirecionadas, da autodestruição para a auto-ajuda .
Para desempenhar essas funções, duas dimensões são necessárias ao psicólogo:
- teórica e técnica
- humana
Muitas vezes estas duas dimensões existem juntas, outras não. O teórico-técnico, mas sem condição humana, poderá agir friamente, sem reconhecer a condição humana do paciente. Ou, sentindo-se onipotente, disseminará impotência.
O profissional que tiver apenas o lado humano forte e pouco conhecimento será um bom amigo, sofrerá com o paciente, mas não conseguirá ir além do lugar comum. Os resultados serão pobres, em ambos os casos.
A FAMÍLIA
O paciente e a família estabelecem jogos. Um deles, referente à negação, é o jogo do silêncio que, enquanto dura, os medos internos de cada um estarão fazendo o seu trabalho de exagerar e paralisar. Ou o jogo da culpa inconsciente, que leva à superproteção ou à rejeição.
Um portador de câncer não falava da doença com sua esposa e filhos. Ia, contudo, chorar na casa do porteiro do edifício que morava. E todos da família sabiam desse comportamento, sem nada fazerem a respeito além de emudecerem também.
Outra paciente, portadora de um tipo raro e devastador de câncer, recusava-se a abandonar seus padrões desajustados de relacionamento familiar e de ritmo estressante de trabalho, padrões esses que se retroalimentavam e que, por sua vez, aumentavam a sua doença.
O psicólogo poderá esclarecer estes jogos e facilitar a boa comunicação entre o paciente e sua família.
A EQUIPE
O paciente transfere para a equipe, principalmente para o seu médico, os sentimentos inconscientes de busca de proteção. Cada membro poderá ser visto como uma figura do passado, que o ajudou ou rejeitou. Poderá desenvolver idéias altamente distorcidas, graças a essas transferências. E poderá também acentuar em muito a busca de atendimento médico.
Uma boa comunicação entre o psicólogo e o médico permite ao psicólogo saber a real extensão e severidade da doença de cada paciente e, ao médico, saber o quanto condições psicológicas adversas podem prejudicar o tratamento.
A equipe precisará ser coesa e transmitir uma idéia uniforme para que o paciente se situe, sem contradições.O psicólogo ajudará a passar para o paciente a noção de unidade da equipe e a sua meta, que é o melhor atendimento possível.
FIM DA ESTRADA
O indivíduo não pode sair da crise sem vivenciá-la. Após a crise, a pedra já foi lapidada, não é mais uma estranha, é uma extensão do próprio indivíduo, fará parte da sua caminhada.E será possível colocá-la nas costas e seguir o seu caminho.
Morre o velho e nasce o novo, mesmo que este morrer seja apenas simbólico.
Morre o velho para nascer o novo. É a noção de renúncia, de negociar com a existência. É a inclusão do novo, enquanto criação.
Um ego forte para morrer através da perda é um ego forte para viver. O movimento é uma espiral em ascendência. É o movimento da vida.
Disse Hipócrates: “O ponto de partida é o desejo do paciente".
Se conseguirmos ajudá-lo a reencontrar este desejo, ele próprio traçará e definirá o fim desse percurso.
Simone Mello Suruagy – Psicóloga