Ganhar mais causa conflito?
Quando as mulheres ganham mais que os maridos.
Ganhar mais causa conflito?As mudanças rápidas, forçadas a uma comunidade por alterações conjunturais, acidentais ou externas, levam a modificações sociais com intensas repercussões na área do relacionamento humano.
Séculos de dominação masculina produziram o comportamento machista. Esta dominação era fortemente calcada em fatores culturais, econômicos e legais, que moldaram no imaginário das pessoas o sentimento de direitos tidos como inquestionáveis.
As duas guerras e a industrialização tiraram as mulheres de seus redutos antigos e protegidos e as lançaram em campos antes restritos aos homens. A "rainha do lar" passou a competir com eles em áreas que não lhes eram habituais. As atitudes necessárias para essa competição não encontraram um terreno propício ao seu desenvolvimento sem maiores conflitos. Os movimentos feministas soavam muitas vezes como tambores de combate. As mulheres se dividiam entre a necessidade de trabalhar e a culpa em abandonar os filhos, casa e marido, deveres arraigados em seu inconsciente desde tempos imemoriais. Precisavam desenvolver novas armas, mas como?
Muitas, passaram a imitar os homens ou o que achavam que seria o papel masculino, desde a competição profissional predadora até a comportamentos de conquista e abandono no campo afetivo. Os laços se fragilizaram. A família fragilizou-se. Os filhos ficaram confusos, faltaram-lhes parâmetros.
Os homens, por seu turno, sentiram-se atingidos, sem que nada pudessem fazer. E também tiveram reações erráticas e de pouca utilidade : muitos, passaram a ridicularizar as mulheres, a negar a sua competência, a cercear-lhes o acesso a postos de comando. Afetivamente, o temor a essa "nova mulher" gerou desconfiança e distanciamento. Os laços amorosos afrouxaram-se, rarearam ou se tornaram freqüentes, mas fugazes. Muitos homens ainda não conseguiram situar-se em outro papel que não seja o de predominância. Se a mulher é uma competidora, precisa ser destruída ou negada.
Paralelamente, outro fenômeno se desenvolve: os homens, que casavam cedo e logo assumiam os seus deveres de provedores do lar, hoje casam cada vez mais tarde, quando o fazem. E muitos permanecem na casa dos pais até idade avançada, ou separam-se e voltam para a casa dos pais. Esses fatos são importantes ao analisarmos traços atuais de dependência e infantilização masculinas que , antes, eram atribuídas apenas às mulheres.
Assim, a sociedade foi atingida por abalos que provocaram uma desestruturação em suas bases. Muito tempo ainda falta para que as coisas atinjam um patamar de equilíbrio. Até lá, estaremos sem parâmetros seguros e encarando o novo com medo e despreparo.
Como exemplo, estão as formas de reação a um fato que se torna cada vez mais corriqueiro : em muitos lares, mulheres ganham mais do que os homens. As repercussões desse acontecimento podem estar além do que a racionalidade recomendaria.
1 - Numa sociedade tradicionalmente machista, como os homens vêem as esposas que ganham mais do que eles?
R- Estamos aí diante de um problema maior: como transformar uma sociedade tradicionalmente machista sem que ela caia no oposto ou sem que os homens sintam-se desonrados por ganharem menos que suas mulheres? Da forma que ainda estão as coisas, os homens tendem a sentirem-se inferiorizados e podem culpar as mulheres, como se elas estivessem cometendo um delito. A ironizar ou atribuir o maior salário da mulher a causas fortuitas (até com insinuações à sua conduta moral) e não à competência. Alguns reagem adequadamente e entendem o novo estado com maturidade . São colaboradores em uma sociedade conjugal que, nesta área, precisa reagir como uma empresa, onde não importa quem seja o presidente ou o diretor, importa que ela dê lucro.
2 - Como costuma ser o comportamento dos homens nessa situação? Muda o comportamento familiar? Como é a reação do casal no dia a dia?
R- O ser humano reage ao sentimento de inferioridade projetando, ou seja, inferiorizando o opositor. Assim, o homem pode transformar esse sentimento em depressão, ironias, agressividade ou baixa na auto-estima. Pode desenvolver doenças psicossomáticas ou acentuar uma conduta de dependência ao álcool. Pode assumir o papel de dependente e não produzir o que poderia, sendo mais um filho que marido. A relação de forças no casal pode sofrer um abalo, com repercussões nos filhos: manda mais quem ganha mais? Também pode sofrer o relacionamento sexual, quando o homem vê nesta uma área em que mantém a autonomia e o direito de dizer "não". Reage, assim, ao sentimento de estar sendo rejeitado com rejeição, quando não vai compensar conquistando outras mulheres o fato de sentir-se diminuído.
3 - E o pensamento/comportamento da mulher muda, quando ela se torna a força financeira da casa? Como ela reage quando se torna a chefe do casal?
R- Milenarmente acostumada á submissão, a mulher também reage à brusca quebra de estruturas antigas com certa perplexidade e ambigüidade. Apesar de sua luta e vitória ao impor-se em campos que lhe eram vetados, nem sempre respeita, inconscientemente, o marido que ganha menos. Muitas vezes reage com excessiva prepotência, o que retroalimenta o sentimento de inferioridade do marido. Pode atribuir-lhe o papel estereotipado que antes era privativo das mulheres. E , muitas vezes, esse jogo é sutil, não declarado mas insinuado por meias-palavras ou atitudes que mascaram o brado orgulhoso da vitória.
4 - Existe uma nova dinâmica familiar por conta dessa situação?
R- Não se pode generalizar os efeitos de fatores comuns a essa minoria que é composta pelos lares onde as mulheres ganham mais que os maridos. Mas a dinâmica familiar é muito sensível ás mudanças. A primeira área afetada no caso é a dos papéis. Os pais ficam confusos e essa confusão atinge os filhos que são, sempre os mais prejudicados. Como o jovem sempre questiona a autoridade, eles aí encontram um campo fértil, pois os pais também estão questionando o mesmo tema.
5 - Quais as diferenças entre os dois modelos familiares? O que uma chefe de família tende a priorizar diferente de um chefe de família?
R- Estamos bastante acostumados ao modelo no qual o chefe de família é o homem. É tudo o que tivemos até hoje, compondo as virtudes e defeitos da nossa cultura, como a priorização do ter sobre o ser .
As mulheres, como chefes de uma família na qual existe um marido, estão criando um modelo inédito, com todas as incertezas e precariedades do novo. O caminho não tem volta, a sociedade e seus modelos foram alterados, mas os conflitos e as arestas ainda precisam ser trabalhados. A mulher tem capacidade de criar e plantar em seus filhos um padrão mais voltado para os valores humanos, para a superação de fórmulas que nos levaram à corrupção, à violência, à impunidade e à injustiça. A criar um mundo diferente onde todos sejamos irmãos , independente de gênero, cor , credo ou ideologia.
Isso a mulher pode ser, como pessoa e chefe de família : uma pacificadora. Mas, para isso, ela precisará superar a fase do espelho, ou seja, não precisar ser igual ao homem (ou igual àquilo que ela vê no homem).
Simone Suruagy - Psicóloga